Pessoas "reais" dão origem a filme mineiro premiado; leia bate-papo

DEBORAH COUTO E SILVA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

21/11/2011

9h51

Um filme sobre pessoas e suas formas peculiares de ver o mundo. Esse é o mote de "O Céu Sobre os Ombros", obra do mineiro Sérgio Borges, que estreou sexta-feira (18) em circuito nacional.

O longa foi o grande vencedor do Festival de Brasília em 2011, ganhou prêmio de Melhor Filme no Festival do Uruguai e participou de alguns grandes festivais de cinema do mundo, como o de Munique e o de Roterdam.

"O Céu Sobre os Ombros" repete um recurso bastante utilizado no cinema brasileiro recente, a quebra de barreira entre documentário e ficção. Uma audácia para o caso: ao se tratar de pessoas reais e de suas próprias rotinas, o filme poderia gerar tensão aos olhos do espectador, já que nada é ensaiado.

Não gera. Os personagens se mostram surpreendentemente à vontade diante do olhar exterior.

Aos personagens: Everlyn (Dani), a transexual, acadêmica e prostituta. Ela sabe ser o melhor que pode e lidar de forma digna com a solidão ou com a própria condição.

Murari (Márcio), o paradoxo ambulante, é Hare Krishna e operador de telemarketing. É um líder da Galoucura, a torcida organizada do Atlético Mineiro, skatista e grafiteiro.

Lwei, o africano, um escritor frustrado, nunca trabalhou, sustentado pela mãe e pela mulher. Tem um filho deficiente mental e perdeu outro, por nascer, aos sete meses de gestação. Mente inquieta, não para de produzir trabalhos que não conclui e tem fortes tendências suicidas.

Por ter essa mistura entre dois gêneros (documentário e ficção), a obra teve a necessidade de um profissional não existente na maior parte dos filmes - um pesquisador de personagens. A atriz e cineasta Izadora Fernandes foi responsável por esta pesquisa, fundamental para a execução do longa, e bateu um papo com o Guia para contar detalhes sobre a produção:

Guia Folha - O que faz um pesquisador de personagens?
Izadora Fernandes - Entrevistamos pessoas para encontrar os personagens que o diretor quer.

Seu trabalho acaba antes do início das filmagens?
Sim, uma vez escolhidos os personagens, o trabalho do pesquisador está finalizado.

Como foi o trabalho para este filme?
Foi intenso. O Sérgio me chamou pelo meu ofício de atriz, pois confia muito em mim e nos conhecemos há muito tempo. Fiz mais de cem entrevistas. As entrevistas consistiam em vídeos de 15 minutos em que as pessoas contavam suas histórias. Mas muitas surpresas aconteceram nesse percurso.

Quais, por exemplo?
No começo eu achava algumas histórias muito interessantes e não conseguia desligar a câmera [risos]. Com a Everlyn (Dani) foi assim e eu filmei 1h30! O Sérgio acabou me dando um sermão: "Olha, seu trabalho está ótimo, mas são só 15 minutos de vídeo, porque senão eu acabo sabendo mais do que eu preciso saber dessas pessoas". Outras pessoas que eu ia entrevistar não eram tão interessantes, ou nem apareciam, mas me apresentavam outras, que tinham histórias absurdas. O Lwei eu achei procurando por um porteiro em uma universidade, por exemplo. Já o Murare (Márcio) eu encontrei no templo Hare Krishna quando fui conversar com o mestre. Comentei, por acaso, com ele que queria falar com alguém da Galoucura, mas era muito difícil acessar a torcida. Daí o Murare disse: "Eu sou da Galoucura".

E como foi se desapegar de todos os outros entrevistados?
Muito difícil. Tem muita história boa, dá vontade de "ficar" com todo mundo. Mas o filme, na verdade, não é sobre as histórias, é sobre as pessoas e como elas enxergam, lidam com o mundo. Cada uma delas tem um olhar muito próprio sobre a vida, a solidão. É sobre como cada um consegue viver da forma que escolheu viver e sustenta os prós e contras disso.

E depois do trabalho pronto, você ainda tem contato com os personagens?
Sim, também criamos muito apego um pelo outro. Acabei sendo responsável pelo início de uma revolução na vida deles, já que o filme foi bastante premiado e eles andam viajando muito com o Sérgio [Borges, o diretor].

Informe-se sobre o filme