"Eroica", de Beethoven, inspira recomeço do pianista João Carlos Martins

A escolha da sinfonia "Eroica", a terceira composta pelo alemão Ludwig Van Beethoven (1770-1827), não poderia ter sido mais certa.

De começo extremamente triste, finalizada com grandiosa alegria, a composição foi escolhida pelo maestro e pianista brasileiro João Carlos Martins para abrir o concerto desta quarta-feira (11), na Sala São Paulo, o qual regerá e tocará piano com os cinco dedos da mão esquerda --a última vez que tocou com as duas mãos foi em 2002, antes de ser atingido por uma barra de ferro durante um assalto que sofreu na Bulgária. A batida lesionou uma área do cérebro relacionada aos movimentos das mãos.

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João Carlos Martins rege a Orquestra Bachiana Filarmônica na quarta (11), na Sala São Paulo

"Sinfonia nº 3 em mi bemol maior Eroica (1803)" originalmente escrita em homenagem a Napoleão Bonaparte, com o nome "Buonaparte" (em italiano), teve o nome modificado após Beethoven saber de sua coroação como imperador da França, indignando-se.

Refeita e ampliada, "Eroica" tornou-se uma composição de características inovadoras e conflituosas, alçando-se ao patamar das obras clássicas revolucionárias.

Os altos e baixos de "Eroica" traduziram bem a alma de Beethoven à época, que já sofria de gradativa surdez, da mesma forma que em 2009, traduzem a escolha do maestro brasileiro.

Dono de uma história de vida também dramática, o pianista João Carlos Martins, considerado um dos maiores intérpretes de Bach do mundo, teve de enfrentar a perda do movimento de ambas as mãos depois de acidentes e complicações de saúde que o impediram de continuar com suas grandes paixões --tocar piano e reger.

Estreia

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João Carlos Martins regendo a Orquestra Bachiana Filarmônica parcialmente recuperado

Nove anos e nove cirurgias nas mãos depois, mais sessões diárias de fisioterapia, exercícios e broncas de médicos que o impediam de tentar tocar por horas o piano de sua casa, Martins atinge melhoras consecutivas na performance da mão esquerda, permitindo-o dedilhar com um, dois, três e agora cinco dedos o piano, além de reger a Orquestra Bachiana Filarmônica, coordenada com entusiasmo de iniciante.

"É uma sensação de estreia aos 68 anos. Até uma pessoa que tem tantos anos de carreira como eu, fica um pouco ansiosa, mesmo com os desafios vividos desde os 15", afirmou o maestro em entrevista ao Guia da Folha Online.

O resultado de sua perseverança em adquirir movimentos é relatado de forma otimista, mas com os pés fincados no chão.

"O resultado não é uma solução definitiva, posso ter recaídas. Minha vida se resume a subir dois degraus e descer um. Mas, se Deus quiser, daqui a um ou dois anos eu posso dar um concerto somente com a mão esquerda", afirmou.

Além da regência, Martins tocará ao piano obras de Mozart ("Concerto nº 21 em Dó Maior, KV 467: Andante"), Sergei Rachmaninoff ("Concerto nº 2 para Piano: Adagio Sostenuto" e "Rapsódia sobre um Tema de Paganini: 18ª Variação") e Ennio Morricone ("Cinema Paradiso"), sob a batuta de Laércio Diniz.

"As duas partes serão desafios para mim. Na regência vou fazer as sinfonias mais importantes e eu tenho que mostrar alguma visão da obra de Beethoven. Na segunda parte vou me encontrar com meu velho companheiro, o piano. É aquele desafio saudável; tudo que estou fazendo é com amor", acrescenta.

Rotina

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O pianista já tocou em quatro concertos este ano, com a mão ainda em recuperação

A perseverança e paixão do maestro são aliadas a uma regrada rotina de fisioterapia e exercícios para assegurar os movimentos. Ele faz de duas a três horas de fisioterapia por dia, intercalando manhã, tarde e noite, com exercícios diversos, que variam entre o manuseio de elásticos e massinhas de modelar, além de subida de escadas e centenas de abdominais [300].

"Faço o jogo da Pollyanna, do contente. Qualquer adversidade você tem que transformar em algo que dê esperança ao seu futuro", aconselha.

Para o concerto desta quarta, Martins conta ainda com a sorte.

"A gente nunca sabe o que vai acontecer, mas se não tiver nenhuma 'casca de banana', será um concerto que vai marcar a minha vida".

Sala São Paulo - pça. Júlio Prestes, 16, Campos Elíseos, região central, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3223-3966. 1.484 lugares. 90 min. Qua. (11): 21h. Ingr.: R$ 70 (coro), demais sessões esgotadas. Não recomendado para menores de 7 anos.

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