Kamau e Emicida relembram clássicos do rap em São Paulo

Crédito: Ênio Cesar/Divulgação

"Pânico na Zona Sul", dos Racionais MCs, é o clássico do rap nacional mais antigo de que você se recorda? Talvez alguns hits de pista de Thaíde e DJ Hum? Já ouviu "Povo da Periferia", de Ndee Naldinho? E "Nomes de Meninas", de Pepeu? A discografia do rap feito no Brasil é um baú empoeirado de clássicos que poucos (inclusive fãs do gênero) conhecem e onde há muito tempo não se mexe --por enquanto.

Neste sábado (1º/8), dois MCs que muito têm feito pela cena nacional, Kamau e Emicida, recebem a missão de interpretar alguns desses exemplares do rap nacional no Hole Club, em edição da festa BoomShot, organizada pela rádio on-line de mesmo nome. Nos toca-discos, DJ Erick Jay costura as bases.

Kamau fez um dos melhores discos de 2008, segundo o ranking da revista "Rolling Stone". Há dez anos participando ativamente da cena --principalmente em grupos, como o Simples, o Consequência, o Quinto Andar--, o MC paulistano ganhou mais notoriedade quando botou na rua seu primeiro disco solo, "Non Ducor Duco". Emicida, amigo e vizinho de bairro, não está na cena há tanto tempo, mas já tinha os holofotes sobre si desde as batalhas de freestyle e de quando "Triunfo" ganhou as pistas. E as luzes sobre ele só aumentam: em maio, lançou a elogiada mixtape "Pra Quem Já Mordeu um Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe", que gravou de forma caseira em CD-R, colocou em embalagens de papel kraft, carimbou uma arte feita por ele mesmo e saiu vendendo de mão em mão.

Antes de subirem ao palco no sábado para a sessão nostalgia, os dois MCs aceitaram o convite do Guia da Folha Online para se entrevistarem. Leia a conversa:

Emicida - Qual a importância de um evento como esse, do dia 1º, para o hip hop brasileiro?
Kamau - É importante mostrar que a gente gosta de música tanto quanto as pessoas que nos ouvem e que várias coisas nos influenciaram para chegarmos até aqui. E também resgatar as músicas que nem os próprios artistas cantam mais, por ter passado da época ou porque não querem mais. Alguns têm até vergonha de cantar música antiga. Mas eu pedi pessoalmente para o Thaíde e ele deixou eu cantar "Corpo Fechado" [risos].

Kamau - Qual foi o rap que te fez cantar rap?
Emicida - Foi "Nomes de Menina", do Pepeu, porque era um rap que era "frisson" na Vila Zilda. Se você não sabe esse rap, você não é ninguém. Foi uma época bem louca, que rolava uns Ndee Naldinho, na época em que ele era feliz no rap dele e não sabia. E o Pepeu foi o rap que chegou mesmo na parada, foi o primeiro rap que eu decorei. Passou um bom tempo, aí que conheci Racionais. Todo mundo cantava, era muito legal.

Emicida - Quero saber isso de você também, qual foi o rap que fez você cantar rap e por quê?
Kamau - Não há um rap em específico que tenha me feito cantar rap, porque desde que eu comecei a ouvir rap até começar a fazer rap se passaram nove anos, então conheci muita coisa. Eu tive a felicidade de acompanhar o Racionais de perto e sempre prestei muita atenção no que eles falavam, e eu ouvia várias coisas que eles ouviam. Além dele, quem influenciou bastante o meu jeito de fazer rap quando eu comecei foram os grupos A Tribe Called Quest e o De La Soul. O Racionais por falar de mim sem me conhecer e falar várias coisas que eu queria falar, mas no jeito e na realidade deles. O ATCQ e o De La Soul também, por soarem bem no meu ouvido e por falarem várias coisas que eu acreditava e me identificava.

Kamau - Tem alguém que você ouvia antes e que ainda é relevante na música hoje?
Emicida - Você é uma delas, você deu até uma melhorada [risos]. Marechal, o Mano Brown... o Brown é unanimidade no bagulho. Tem caras que foram, são e continuarão sendo relevantes. Porque eles não atendem uma demanda de mercado, eles têm critério próprio de qualidade e é isso que colocam esses caras onde estão. É isso que me faz admirá-los, porque eu vejo que eles não fazem uma parada porque é isso que está virando. Eles fazem o que eles acreditam. Pelo menos é nisso que acredito quando ouço os caras.

Emicida - Como você vê a cena de hoje? Vários desses moleques que escutam minhas paradas não têm noção de quem foi Pepeu e Black Junior's, por exemplo. Eu canto a música dos caras e eles pensam que é minha música nova. Acho que o hip hop brasileiro renega um pouco a história, e esta é uma forma que eu encontrei para ligar os moleques de hoje às raízes.
Kamau - Quando eu comecei a ouvir rap, as pessoas que me mostravam as músicas faziam questão de me mostrar também de onde a música veio e, no caso do rap, que tem bastante sample, de onde foi sampleada. E isso me fez sempre querer saber tudo. Hoje em dia vários moleques não sabem o sample, o nome e nem de onde veio o artista que está fazendo o rap. É um outro mundo, é uma outra forma de ouvir música. E essa oportunidade que a gente tem de mostrar o que está em nossa mente, o que faz a gente lembrar e por que. Uma vez estávamos eu e o Xis, no Sesc Interlagos, gravando no "Bem Brasil", e o Xis cantou "Mas Que Linda Estás" [Black Junior's] sobre uma base do The Roots e eu fiz um freestyle. E até hoje os moleques falam que aquela minha música com o Xis é muito louca. Poucas pessoas sabem que, na verdade, a música é de uns moleques que começaram fazendo rima na feira e foram descobertos lá mesmo. Eles também nem repararam que eu fiz freestyle. Ninguém sabe que o mesmo cara que canta o refrão de "Senhorita" [Cabal] cantava em um grupo chamado Os Metralhas. Era só Cristiano e Adriano, não era nem Lino Cris e DJ Dri ainda.

Kamau - Como você escolheu as músicas que vai cantar no dia 1º?
Emicida - O meu critério foi pegar a fase mais feliz do rap. Umas músicas mais para cima. A gente passou por uma fase muito depressiva. Muitas pessoas não sabem que, antes de determinada época, o rap era totalmente o contrário do que ele se tornou, que a parada chegou aqui como esse bagulho de festa. O Black Juniors vendeu um milhão de cópias ou algo assim. Eu vejo que hoje os caras tentam fazer música de festa, mas não conseguem captar a essência dos dias de hoje para isso se tornar viável, daí fica vazio. Quero mostrar umas paradas que eu sempre gostei, mas que nunca tiveram muito em evidência depois que essa parte mais séria, mais carrancuda do rap, dominou o cenário mesmo.

Emicida - Como você vê a cena do rap hoje no Brasil?
Kamau - Somos de gerações diferentes, apesar de a diferença não ser tão grande assim. Sem querer parecer tiozinho demais, no meu tempo, a gente pensava em fazer show e trocava ideia com as pessoas para dar espaço para a gente se apresentar. Hoje, de certa forma, esse espaço foi traduzido para "Myspace". As pessoas acham que esse é o jeito de chegar e que fazendo isso já está bom. Eu escrevia as letras em cima de base gringa, porque a gente não tinha como fazer base, e apresentava para as pessoas que eu conhecia, que faziam rap. Hoje muita gente faz música em casa e fala "ó, tem uma música minha lá, ouve lá". Eu chegava olhando olho no olho, mostrava uma rima para a pessoa e perguntava: "então, tem como fazer essa rima no seu show?". E o primeiro cara que deu a oportunidade para o meu grupo [Consequência] mostrar rap no palco foi o Rappin' Hood, com o Posse Mente Zulu, na Casa de Cultura Chico Science, no Ipiranga, no dia 9 de agosto de 1997. Sempre o agradeço por isso e também ao KL Jay por um dia ter pensado em me perguntar por que eu não fazia rap se era disso que eu gostava, tinha boas ideias e sabia acompanhar a rima dos gringos. Tem gente que está dentro do quarto e falando da rua.

Kamau - Quais artistas que você têm ouvido ultimamente?
Emicida - Eu estou numa vibe bem tranquila, num momento voz e violão. O Fióti, meu irmão, baixou o disco da Monica Salmaso. Escutei e gostei. O Ganjaman me mandou umas músicas também que não parei de escutar: tem Gil Scott-Heron, Jimmy Smith. Eu baixei o disco do John Legend, da Chrisette Michele, que eu não tinha ouvido ainda. "It's Like a Dream to Me" é incrível. Tem uma que chama "Good Girl" que é muito boa também.

Emicida - Me fala os raps que você têm ouvido. Sei que você é um cara que acompanha mesmo o que acontece aqui e lá fora.
Kamau - Descobri várias músicas nesse fim de semana, graças ao Bidu, que é b-boy e estava discotecando numa batalha. Parei para ouvir também várias músicas que estavam no meu i-Pod mas que eu não tinha prestado atenção. De sexta-feira para cá eu tenho ouvido "Mr. Tout Le Monde", do Hocus Pocus, um grupo da França. Tenho ouvido também muitas coisas do Elaquant, um produtor do Canadá, e de um grupo chamado Deep Rooted, de San Diego (EUA) --eles samplearam a "Billy Jean" [Michel Jackson] e a Billy Jean toda torta, bateram nela até ela confessar que o filho não era do Michael mesmo [risos]. "Eu Tô Bem" [Emicida] --percebi que começar com ela no meu show tem dado certo também -- e "Bailar", do Aloe Blacc, que eu gosto muito e ouvi esses dias novamente.

Kamau - O que tem a dizer para as pessoas que vão chegar no evento? Um bom motivo para elas estarem lá?
Emicida - Você não ouviu essa música da última vez que ela foi cantada.
Kamau - E eu quero agradecer o Zeca por ter alterado a ideia inicial, que era cantar as músicas do A Tribe Called Quest. Eu achei esta ideia muito melhor porque poderemos mostrar nossas influências.


Os ingressos para a festa BoomShot - Clássicos do Hip Hop custam R$ 15 para homens (R$ 12 com flyer) e R$ 12 paras as mulheres (R$ 10 com flyer e VIP até 0h). O mestre de cerimônias da noite será Tuchê e os toca-discos ficam com os DJs Marco, Mako e Roger.

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Endereço: r. Augusta, 2.203, Cerqueira César, região central, São Paulo, SP. Classif. etária: 18 anos
As informações estão atualizadas até a data acima. Sugerimos contatar o local para confirmar as informações

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