MV Bill se esquiva de polêmica e fala sobre o que falta no rap nacional

Crédito: Divulgação
O rapper MV Bill, que encerra miniturnê em São Paulo nesta sexta-feira (24), na Casa das Caldeiras; a apresentação começa à 1h

Um dos rappers de maior visibilidade nacional, MV Bill engatou uma miniturnê pelo Brasil. Antes de seguir para Minas Gerais, ele realiza hoje seu último show na capital paulista, na Casa das Caldeiras, à 1h. O MC carioca fez outros dois shows na cidade: o primeiro aconteceu no sábado (18), no Hole Club, e o segundo nesta quinta-feira (23), no Ébano Bar.

O Mensageiro da Verdade, significado da sigla inicial de seu nome, conversou com o Guia da Folha Online sobre a quantas anda o rap nacional e sobre seu novo trabalho --o DVD "Despacho Urbano", em que interpreta suas rimas na companhia de uma banda de rock.

No entanto, evitou falar da polêmica levantada por Diogo Mainardi, colunista da revista "Veja", em seu blog. No texto, o jornalista afirma que os direitos autorais do livro "Falcão: Mulheres e o Tráfico", "em vez de pertencerem a MV Bill e a Celso Athayde [os autores da publicação], pertencem à fornecedora da Petrobras, a R.A. Brandão Produções Artísticas". A fornecedora teria recebido R$ 4,5 milhões da Petrobras para tocar projetos como o de Bill, lançado pela editora Objetiva. De acordo com o rapper, que publicou uma nota de esclarecimento oficial em seu blog e evita falar sobre o assunto com a imprensa, a publicação do livro "não teve nem tem nenhum envolvimento da Petrobras, o verdadeiro alvo da publicação". A assessoria de imprensa da Petrobras responsável por responder a esse assunto não foi localizada.

Conhecido por seu engajamento social com comunidades carentes do Rio de Janeiro, em especial a Cidade de Deus, onde cresceu, MV Bill é um dos agitadores da ONG Cufa (Central Única das Favelas), da qual também participa Celso Athayde.

Enquanto MV Bill não leva a banda do DVD ao palco, a MC Kmila, o DJ Tony e o violinista Antonio Rodrigues o acompanham nos shows. "Ainda não consegui organizar tudo para fazer a turnê do DVD, apresentar minhas rimas novas com a roupagem rock'n'roll, mas foi bom ver o público cantando meus trabalhos antigos e os mais recentes, tudo na ponta da língua."

Leia a entrevista completa:

Folha - Por que o rock?
MV Bill - O rock foi escolhido porque, junto com o hip hop, são os ritmos musicais que, há duas, três décadas, mais movimentam e mobilizam a juventude no mundo inteiro. É uma junção que já aconteceu em outros momentos, são dois ritmos que já dialogam. Apesar de saber que esse é um tipo de projeto que nenhuma gravadora aceitaria com facilidade, eu queria trazer minha versão. Em tempos de crise, elas não estão afim de ousar muito. E, curiosamente, eu consegui essa ousadia de forma independente, contando com pessoas que acreditaram no meu trabalho e trabalharam por amor, sem cobrar nada. Além disso, meu trabalho recebe, pela primeira vez, uma qualidade audiovisual que nunca teve. Aproveitei também para reunir todos os meus videoclipes, que são 11, alguns inéditos, alguns remasterizados. Acabei transformando esse DVD em material de colecionador, para quem curte meu trabalho poder ter toda a obra.

Folha - Videoclipe. Está aí um recurso que o rap não usa muito...
MV Bill - Na verdade, acho que no rap falta muita coisa ainda, inclusive profissionalização. Assim, um maior cuidado com o próprio trabalho. Tem muitos grupos novos, da nova geração, que são bons, mas que às vezes não levam com a seriedade e o profissionalismo que a música merece. Eu sempre levei meu trabalho tentando ser profissional e ao mesmo tempo tentando não pirar por conta dessa profissionalização, e acho que o DVD sintetiza muito bem minha carreira até aqui e de uma forma muito bem cuidada. E o mais legal de tudo é poder fazer com que essa qualidade chegue até as pessoas por um preço muito baixo, R$ 5. Primeiro porque a gente combate os preços abusivos, mostrando que é desumano um DVD a R$ 40. Em momentos de crise financeira, crise fonográfica, a gente faz com que nossa música chegue de forma muito mais rápida e fácil até as pessoas.

Folha - O que falta, então, para o rap nacional dar um passo à frente?
MV Bill - Existe ainda um preconceito muito grande das rádios, que têm preferência explícita pelo hip hop americano. As emissoras de videoclipe também têm essa preferência, principalmente o Multishow, que deixa claro que não passa nada de hip hop brasileiro. E tem a questão das próprias produções, que acho que têm sempre que dar uma melhorada, procurar melhorar. Mas acho que isso é uma transição natural. Eu estou achando muito bom que o hip hop está passando por uma renovação, porque é uma chance de todo mundo rever conceitos, rever postura, rever letras, rever o que pregou, os erros de cada um. Acho que isso está sendo bom para dar uma reciclada, uma respirada, para abrir espaço para os grupos novos mostrarem seu trabalho.

Folha - E aquele clipe com o Caetano Veloso? Nunca mais vi passar, só na época que lançou.
MV Bill - Pois é, esse foi mais um caso que representa isso que eu estava te falando. Por mais que o hip hop faça boa música, bons clipes, às vezes não tem espaço. Esse foi um videoclipe que eu ganhei de presente do Bruno Bastos, da produtora O2. Ele disse que se amarrava no meu trabalho, que achava os meus últimos videoclipes muito bons, mas que poderia fazer algo muito melhor. O moleque era um ousado mesmo, então eu topei na hora. Tiveram aquela ideia de colocar o esparadrapo na boca do Caetano e ele aceitou tudo numa boa. E depois dessa correria, a pouca exibição do videoclipe na televisão não justificou todo o trabalho. Não que o Youtube, por exemplo, não seja importante, mas se fosse para criar algo para a internet não teríamos gasto tanto dinheiro para fazer em película. Mas acho que com o hip hop voltando a respirar, isso pode mudar. Na minha opinião, o rap é um dos estilos de música no Brasil que mais têm condições de fazer os clipes mais incríveis, por conta do que aborda.

Folha - Da nova geração, quem tem feito coisa boa?
MV Bill - Na verdade eu conheço muita coisa, porque lá no Rio eu tenho um programa de rádio sobre hip hop. Sou ouvido em várias partes do Brasil, porque é um programa só de hip hop nacional. Isso envolve todo um trabalho de pesquisa. Buscamos músicas de várias partes do Brasil, mas aquelas com um pouco mais de qualidade, melhor produzidas, mais benfeitas. Tem um rapaz no Rio chamado Romeu R3, ele foi o destaque do RPB Festival, que é um festival de rap popular brasileiro, organizado pela Cufa, com concorrentes do Brasil inteiro; tem também um grupo do Rio Grande do Sul chamado Rafuagi. Aqui de São Paulo tem um cara chamado Emicida, que é muito bom também. Não o conheço pessoalmente, mas já ouvi coisas dele na internet e achei bem legal.

Folha - E shows lá fora, tem alguma coisa marcada? Você já foi para a Europa há muito tempo, não?
MV Bill - Eu sou bastante convidado por Portugal, acho que por conta da língua, por Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, mas as propostas não têm sido legais. Eu já tive algumas experiências no exterior que não foram muito boas. Eu fui pra Nigéria para participar de um festival de cinema, e as condições precárias do país me deixaram um pouco chocado. Para que sair de casa com tanta coisa para fazer em nosso próprio país? Ir passar perrengue lá longe... Isso me assusta um pouco. Eu tenho fobia, pavor, pânico dessas paradas, então prefiro ficar por aqui. Já tive oportunidade de ir pra Europa sim, e foi legal, porque o que me moveu para lá não foi meu trabalho musical somente, foi o conjunto da obra, foram os meus feitos sociais. Naquela época era "Cabeça de Porco" o livro que estava em evidência, e minha música foi um complemento de tudo isso. Foi muito bom que o que eu pude fazer lá. É uma coisa que eu tenho feito muito aqui no Brasil também, que é unir palestras e show. Às vezes, eu chego mais cedo no lugar, troco uma ideia com a juventude e depois toco à noite.

Folha - "Falcão: Mulheres e o Tráfico" é seu livro mais recente. O que ele te trouxe de resultados?
MV Bill - Nossa grande escola é a nossa própria realidade. Minha e do Celso [Athayde], nossa origem. Eu sou da Cidade de Deus e ele da Favela do Sapo, em Senador Camará. Acho que aqueles anos todos de pesquisa nos deram muita experiência, muito conhecimento, muitas histórias também. Tanto que para confeccionar o livro não precisamos recorrer, voltar às favelas. Com as histórias que já tinham sido coletadas, a gente só tentou dar a continuidade. E na continuidade a gente descobriu que quem tinha sobrevivido eram somente as mulheres e o quão dura e próxima do crime era a vida delas.

Folha - Você já tinha outro livro na praça, então não foi difícil colocar esse no mercado...
MV Bill - Eu e o Celso tivemos uma experiência anterior com o "Cabeça de Porco", que não foi escrito só por nós, mas teve a participação importantíssima do Luiz Eduardo Soares [autor de "Elite da Tropa" (2006)]. Na verdade, ele nos encorajou bastante, ele tinha acesso aos nossos textos e pedia para que a gente publicasse, que seria muito bom. Então, começamos a confrontar nossos textos e a ver que ali existiam muitos pontos em comum e que seriam muito interessantes para os leitores. O feedback foi bom, as pessoas comentavam sobre a parte técnica, do Luiz, e a parte também quase cinematográfica que eu e Celso demos à obra. Começamos a tomar gosto por aquilo e depois dessa parceria com o Luiz seguimos nosso próprio caminho.

Folha - E o apoio financeiro para o livro? Ele foi publicado pela Objetiva com apoio da R.A. Brandão, que por sua vez recebia incentivo da Petrobras. Como estouraram as acusações sobre o mau uso desse dinheiro?
MV Bill - Não tivemos o apoio de ninguém. Quem fez o livro fomos eu e Celso. E ele saiu pela Objetiva. Minha resposta para isso tudo está no meu blog, não tenho muito mais a dizer.

Folha - Qual seu envolvimento atual com a Cufa e a comunidade onde você nasceu?
MV Bill - Lá eu deveria ser coordenador. Mas não dá para ser coordenador estando aqui em São Paulo três dias, por exemplo, fazendo show. Eu sou presidente de honra. Tem os coordenadores, os oficineiros, que cuidam de tudo lá. As atividades se modificam de acordo com cada base, com cada cidade. Na Cidade de Deus, por exemplo, tem aula de teatro, break, skate, basquete de rua, grafite, salas com os computadores para acesso à internet, sala de leitura, curso de audiovisual. Todo mundo tem acesso, não paga nada, mas, como não temos uma estrutura gigantesca, as vagas são limitadas.

Folha - O rap nacional passou por uma fase de rimas mais amarguradas, que predominavam sobre letras mais descompromissadas com a questão social e política do país. Como você vê isso tudo hoje em dia?
MV Bill - Existiu um período em que houve um entendimento errado dos próprios caras que faziam hip hop. Para eles, fazer rap de sucesso era sinônimo de falar do crime, mesmo sem ser do crime. Isso acabou se tornando a receita do sucesso. Então as músicas começaram a soar falsas, irreais. No entanto, a música rap foi a única que falou por muitos sobre a questão da criminalidade. E essa questão é muito séria até hoje dentro das comunidades --alguns jovens, por questões sociais, acabam sendo empurrados para esse único caminho. E o rap contribuiu para isso de alguma forma, à medida que pregava que o legal era isso, ser bandido. Mas as pessoas cansaram de ouvir isso. Eu, por exemplo, sou um cara que desde o primeiro disco tenho música que fala de festa, de amor. Tanto que a minha música de maior repercussão atualmente, a "Estilo Vagabundo", fala da briga de um casal. Ela não tem nada de questão social. Ainda tem muita coisa a ser feita no rap. Tem amigo da minha mãe que nem sabe que existe rap nacional, só conhece os gringos. Isso mostra que estamos muito no começo de tudo ainda.

Folha - Por que você ficou tanto tempo sem vir para São Paulo?
MV Bill - Há uns anos rolava um esquema de jabá no rap. Tínhamos que pagar para a rádio um valor em dinheiro para que nossa música tocasse. Além de ter que fazer isso, geralmente o produtor escolhia a música mais violenta, e isso incentivava os grupos a fazerem mais letras desse tipo. Isso acabou dando uma matada no rap. Você via uns caras bem-nascidos, com uma família legal, falando de crime e ainda achavam que era coisa dos "boys" falar português correto. Eu não aguentei isso e resolvi sair desse esquema. E tinha outro problema também. Começaram a fazer festa com 15 grupos na programação. As pessoas não tinham como assistir show de ninguém, os grupos tocavam 20 minutos cada um, de qualquer maneira, sem passar o som. Tinha grupo entrando no palco às 8h. Lembro uma vez, na Reggae Night [casa de shows paulistana], que eu saí do palco às 7h e o Sabotage esperando para entrar às 8h. Então, eu vi aquilo acontecendo comigo e caí fora. Mas, agora, fico feliz por isso ter acontecido. Não por ter ficado três anos sem tocar aqui, mas por poder voltar e enxergar uma nova cena, conhecer pessoas com a mente mais aberta.

Folha - E sábado, que foi seu primeiro show aqui, o que você sentiu do público?
MV Bill - Primeiro eu senti claustrofobia, estava muito cheio e quente (risos). Mas senti uma ansiedade mútua: eu estava muito afim de tocar e eles de assistirem ao show. Foi uma das melhores participações minhas em palcos de São Paulo. Já toquei em várias festas legais, mas esse foi um momento de reencontro. Encontrar São Paulo cantando músicas novas e antigas na ponta da língua. O público bem eclético. Tinha muita menina e isso é muito bom, porque antes era só homem na plateia.

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