Daniela Mercury celebra antropofagia em novo espetáculo

Crédito: Divulgação

Depois de três anos rodando o mundo com "Balé Mulato", seu último disco de estúdio, Daniela Mercury inicia uma nova fase com o espetáculo "Canibália", que deve render --em três anos-- dois CDs, um DVD, dois documentários e uma exposição de artes com instalação musical, entre outros trabalhos.

A turnê do novo show passa pelo Citibank Hall, na região sul da cidade de São Paulo, nesta sexta-feira (7) e sábado (8). No final de agosto, o show parte para o Rio de Janeiro (RJ). Antes de engatar o espetáculo na América Latina, a cantora baiana faz shows em Portugal --onde iniciou a turnê.

Características marcantes de suas apresentações, o vigor da dança e as referências visuais à cultura do candomblé complementam a força natural de sua sonoridade, que recebe elementos da música eletrônica. Rap, funk, salsa, merengue, samba, reggae e rock também aparecem entre os timbres. Toda essa mistura reflete no nome do espetáculo, "Canibália", que representa o afeto e a mestiçagem do povo brasileiro.

"Oyá por Nós", composição de Daniela Mercury e Margareth Menezes, uma batida de candomblé com drum'n'bass, e "O que É que a Baiana Tem", uma mistura de twist com samba e vocais sampleados de Carmen Miranda, estão entre os pontos altos do espetáculo, que conta com a participação de sete bailarinos, coreografados por Jorge Silva. No repertório há ainda versões de Daniela para músicas de Raul Seixas e Legião Urbana. Leia entrevista:

Folha - O que "Canibália" traz de novidade ao palco?
Daniela Mercury - O cenário é totalmente diferente. Ele tem seis telas. Uma tela do Portinari, representando o grupo de modernistas brasileiros, a fase antropofágica. E Carybé, com uma tela muito forte, de uma negra, que se chama "Mulata Grande" e fica na boca de cena. Ele colocou a mulata como se ela estivesse parindo um monte de gente. Porque ela está nua, com muitas pessoas em volta dela. Isso lembra muito Macunaíma também.

Folha - Como surgiu a ideia de "Canibália"?
Daniela Mercury - Eu tive a ideia de fazer Canibália há alguns anos, quando alguns artistas e eu fomos convidados para fazer uma homenagem à Tropicália. Fizemos um disco, e um jornalista escreveu que aquilo não era Tropicália, era Canibália. Eu achei esse nome lindo! E realmente era isso mesmo, estávamos ali celebrando a antropofagia, a liberdade de misturar nossa geração com a tropicalista. Nós somos pós-tudo: pós-Clube da Esquina, pós-tropicalista. Acho que esse é um momento muito bom para reunir essas mensagens todas que surgiram ao longo das gerações. A proposta do espetáculo é também falar desse afeto, que eu e esses artistas sentem por essa história. E também mostrar o que nós brasileiros, artistas dessa geração mais recente, temos de diferente para oferecer. Os artistas voltam a olhar para suas raízes, não só na música, mas nas artes plásticas, voltam a ter orgulho de seu país. Eu digo que essa minha geração é a do samba e que o axé traz de volta o samba para o Brasil. Então eu começo esse show Canibália com as músicas afro e com samba, vestida de branco, descalço, dançando solo. Homenageio o samba da minha terra e de Caymmi, canto "Preta", "Pérola Negra". Começo como se fosse um terreiro de candomblé. Misturo eletrônico com tambores de candomblé e saxofone. Os músicos tocam para eu dançar. É muito mágico. É aquela coisa que todo mundo quer conhecer. Todo mundo tem curiosidade com essa coisa da macumba. Também passo pelo rock, com Raul Seixas e Legião Urbana.

Folha - A dança sempre foi uma marca muito forte das suas apresentações...
Daniela Mercury - A dança sempre foi a segunda expressão no meu trabalho. Nesse espetáculo são sete bailarinos, que dançam no Balé Folclórico da Bahia. A dança ganha destaque ainda maior do que nos meus outros shows, com coreografias criadas por Jorge Silva, um coreógrafo baiano que segue uma linha de desconstrução, de movimentação, misturando dança contemporânea brasileira e dança afro, de uma forma muito particular. Para mim, ele é o melhor coreógrafo. Sou bailarina e muito criteriosa com o vocabulário de dança, não gosto de nada que seja vulgar. Gosto de misturar tudo o que há na dança profissional, como o jazz, sempre com uma pegada original, tentando mostrar o que nunca foi feito. Minha filha me ajuda na direção do espetáculo, não só na coreográfica, mas na geral. Minha cria, que tem me acompanhado esses anos todos. Ela já está entendendo muito mais como funciona essa coisa de cantar, dançar, de como tudo funciona no espaço do palco.

Folha - No repertório de "Canibália" você inclui a música em homenagem à Carmem Miranda. Como fica essa parte no espetáculo?
Daniela Mercury - Tem momentos de trocas muito bonitas no show. Um deles é esse, de Carmem Miranda. Eu canto com ela, "O que É que a Baiana Tem?". É um momento muito lindo, com três bailarinas comigo e a tela de Carybé. Inclusive eu descobri que Carybé foi pandeirista de Carmem. Eu já tinha esse desejo de homenageá-la. Quando resolvi gravar a música, eu disse para meu filho, Gabriel, que ia gravar minha voz primeiro. Depois pegaríamos um fonograma com a voz de Carmem e colocaríamos ela respondendo para mim. Mas tínhamos que ver a tonalidade primeiro, porque eu teria que cantar no tom dela. Quando fomos ver, no final, as duas estavam no mesmo tom. Foi muito legal, fiquei pirada. Tem momentos que "conversamos", como se estivéssemos brincando uma com a outra. Acho incrível a tecnologia possibilitar isso ali no palco. Não passamos filmagens dela, mas eu uso um brinco, como os dela. Faço como se ela estivesse ali e cada um pode imaginar a Carmem que quiser.

Folha - Você levou o espetáculo para Portugal e ainda deve voltar para lá. Como foi a experiência com o público de lá?
Daniela Mercury - O público de lá adorou "O que É que a Baiana Tem", com Carmem Miranda, adoraram o rock, porque eles nunca tinham me ouvido cantar rock. Muito menos rock de lá! Quando eles me ouviram cantar uma música de um grupo do país deles, eles não entenderam nada. Porque eu sou brasileira, eu canto samba-reggae. A ideia do meu show é essa também, ir se modificando pelos locais que passa, prestigiando os artistas locais. Canibália é isso, é a compreensão de que somos influenciados por tudo. Passado, futuro e presente estão muito próximos. Lá em Portugal eu faço isso também. Comecei a turnê lá e terminarei lá também. Passarei por oito cidades, no total. O público de lá é muito aberto. E eles ficaram muito surpresos com meu espetáculo, porque tem muitas cenas de dança, troca de figurino, aquele cenário teatral, as telas. Eu fiz show para 10 mil pessoas no primeiro dia, no segundo foram mais de 20 mil e no terceiro em torno de 27 mil.

Folha - E da música baiana hoje, quem você destaca?
Daniela Mercury - Gosto muito do Carlinhos Brown, acho ele sempre novo, um criador extraordinário. Nem sempre ele consegue tanta mídia. Mas a música dele é muito original, ele é muito inovador no que faz. Eu sempre destaco o Brown porque eu acho ele fantástico. Gosto do Saulinho da Banda Eva cantando, ele é muito carismático, talentoso. O mesmo encantamento que tenho pelo samba-reggae, eu tenho pelo novo pagode da Bahia. Tem um grupo chamado Parangolé, tem o Xandy, do Harmonia, e agora tem uma turma nova. Tem um grupo chamado Psirico que recriou uma batida incrível. O Parangolé voltou agora, cantando uma música que eu adoro. É assim "Favela, ê favela, favela eu sou favela/ Favela, ê favela, respeite o povo que vem dela!". Coincidentemente é o mesmo discurso que eu tenho feito nos shows. Tem o Olodum também. A música baiana está passando por um momento interessantíssimo, com músicos jovens, muito talentosos. É uma renovação que a Bahia está passando de novo.

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