Rodrigo Campos faz samba e poesia de sua juventude em São Mateus

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Poeta de São Mateus, Rodrigo Campos se apresenta neste sábado (22) no Sesc Vila Mariana; há datas no Grazie a Dio! e no Ibirapuera

Rodrigo Campos é daqueles que mais observam do que falam. E é atrás desse jeito calado e sereno que mora o poeta e sambista autor de "São Mateus Não É um Lugar Assim Tão Longe", um dos melhores discos nacionais deste ano --muitos fazem samba, mas poucos com tanta poesia.

Para ser "assistido", do começo ao fim, com direito a pausa e "rewinds", o álbum de 14 faixas --lançado no começo deste ano-- transpira nostalgia e saudade. Busca, cinematograficamente, lá na memória aquele sambinha que o menino Rodrigo ouvia nas rodas de samba das esquinas de São Mateus (região leste da cidade de São Paulo), atencioso, sonhando em um dia ter um cavaquinho.

Por meio de crônicas proferidas timidamente por ele, pela doce voz de Luisa Maita e pelos firmes vocais de Curumin, sobre um cenário de sopros de trombones, do ding-ding do cavaquinho, o "longa-metragem" mostra a história de um garoto de periferia, que viu três amigos partirem, vítimas da violência, e de um rapaz de 32 anos que quis registrar sua experiência e seu imaginário em um disquinho compacto, para poder carregar São Mateus com ele aonde quer que fosse.

Produzida por Beto Villares (que também fez "Vagarosa", último disco de Céu), a obra-prima de Rodrigo Campos tem rendido a ele elogios e agenda cheia. Em paralelo à correria de shows de seu trabalho solo, o sambista tem percorrido o mundo com Fabiana Cozza, que gravou "São Mateus", elogiada composição escrita por Rodrigo muito antes de ele lançar o primeiro trabalho solo. Para quem quiser ouvir a história do cantor, ele se apresenta neste sábado (22), no Sesc Vila Mariana --região sul paulistana.
Informe-se sobre o evento.

Mais próximo de São Mateus que nunca, ele conta sua trajetória ao Guia da Folha Online.

Folha Online - Na música "Cavaquinho" você fala de amigos da sua infância e fala sobre um dia ter um cavaquinho. Você começou no samba tocando cavaquinho?
Rodrigo Campos - Eu comecei, na verdade, em percussão. E nem era percussão de verdade. A gente improvisava, fazíamos pandeiro com lata de goiabada, as platinelas eram tampinhas de garrafa, usávamos um balde. Com o tempo a turminha lá conseguiu comprar instrumentos de verdade e aí montamos um grupo de samba. Nessa época eu devia ter nove, dez anos. Daí, com 12 anos, eu ganhei um cavaquinho do meu pai e fui estudar o instrumento. Em pouco tempo eu já estava tocando, peguei uns acordezinhos e meti a cara nas rodas de samba com a molecada. Na brincadeira eu já compunha algumas coisas mais inocentes... E foi assim que eu comecei. Eu me tornei compositor por causa do cavaquinho. A coisa do samba no disco é por conta da minha formação. Foi a minha primeira referência de música. São Mateus é um bairro que, não sei por que, sempre teve muito samba, em qualquer bar, em qualquer esquina. E eram sambas legais, feitos por pessoas que realmente sabiam tocar. Naturalmente, isso se refletiu no meu disco. A intenção era sim fazer um disco de samba, mas que tivesse um olhar contemporâneo, uma ousadia, e não um respeito excessivo pelo samba. Acho legal carregar a bandeira, mas é bom saber que você também pode contribuir com o gênero. Eu queria somar essa minha vivência no samba com uma coisa contemporâena, cosmopolita, com pop, hip hop.

Folha Online - A presença de metais é forte no disco também.
Rodrigo Campos - Eu estudei música na Fundação das Artes, em São Caetano do Sul, que é como se fosse uma OLM. Então, isso tem a ver, mas a ideia dos metais foi coisa do Beto [Villares, produtor do disco]. Ele quis fazer uma coisa meio Rogério Duprat [o maestro], com arranjos de metais meio esquisitos. A ideia era trazer esse clima para o disco e é mais um elemento que soma com a coisa do samba, da crônica, da periferia. Tem também o melotron, um teclado que produz uma sonoridade meio vintage, que dá aquela nostalgia mesmo.

Folha Online - E essas sonoridades nostálgicas caem bem como cenário das histórias que você conta nas faixas do disco. Elas são autobiográficas, não?
Rodrigo Campos - Sim, várias histórias são verídicas. Alguns dos nomes são reais, outros eu substituo, e outros eu crio, como Fabrício. Isac e Lúcia são meus pais. A canção da minha mãe fala de uma professora, batalhadora, que vai dar aula lá na Vila Prudente, que se preocupa com os filhos, conta história para eles, que dorme assistindo à TV, porque chega cansada e não consegue fazer mais nada. O Isac é meu pai, aquele cara que tem várias facetas, o cara dos amigos, da rua, que gosta da bagunça, de futebol, tocava trompete, frequentava a Igreja Cristã do Brasil. Na época, ele estava para se aposentar, mas teve dificuldade porque trabalhou um tempo sem registro. Tem a primeira música também, "Fim da Cidade", que eu dedico para o meu irmão, motorista de lotação em São Mateus. Tentei falar um pouco do cotidiano dele, um cara que também joga bola, gosta de música e é feliz pra caramba. Um cara que, todo dia, às 3h, está lá no ponto, preparando a lotação para quando os passageiros chegarem...

Folha Online - De todas as músicas do disco, qual te pega mais no sentimental?
Rodrigo Campos - Acho que "Cavaquinho". Nela eu falo de três amigos meus da infância, o Dario, o Bimba e o Sidiney, que morreram de forma violenta na periferia. Eu compus essa música chorando. Não parei de chorar um minuto. São os caras que eu conheci... Só o fato de colocar o nome verdadeiro deles ali já me deu um aperto. Nem as músicas da minha mãe e do meu pai, que são emocionantes para mim, me comovem desse jeito. Uma vez fui fazer um show em São Mateus, para lançar o disco por lá, e estavam meus amigos que também conheciam os três da música. Eu mal cantei dois versos e começamos chorar, foi uma choradeira geral.

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Folha Online - Quando você começou a ganhar uns trocados com música?
Rodrigo Campos - Eu comecei a ganhar dinheiro, pouco dinheiro, muito pouco dinheiro [risos] com 12 anos. Meu grupo tocava no boteco e já ganhava uma graninha. Desde então, sempre acompanhei cantoras, dei aula, fiz música para teatro. Antes disso eu tive dois grupos, o primeiro chamava Apoteose do Samba e o outro Canto Nacional. Eles duraram muitos anos, um durou sete e o outro quatro, mais ou menos. Com o segundo, gravamos um disco, mas nunca foi lançado. Fazíamos shows em São Mateus, na periferia toda ali, na zona leste. Rolava muito som em lava-rápido. Era engraçado, todo bairro tinha um lava-rápido e no final de semana os caras colocavam um palco, um sonzinho. A gente tinha música própria, mas tocávamos música de outros compositores, para o pessoal dançar e cantar junto. Então era Fundo de Quintal, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho e até os grupos mais novos, como Katinguelê, Exaltasamba. Tocávamos no Choppapo, em São Bernardo [Grande São Paulo], com o Katinguelê, que nem tinha nem CD ainda. Meu grupo tocava também em outro bar, onde o Exaltasamba se apresentava, mas em outro dia da semana. Às vezes íamos lá ver os caras tocando. Comecei a tocar cavaquinho em 1989, então isso foi em 1991 ou 1992. Mas eu passei a viver só de música há oito anos, quando eu tinha 24. Foi quando eu saí de São Mateus.

Folha Online - E antes, você trabalhou com o quê?
Rodrigo Campos - Eu trabalhei três anos como office-boy, na rua Direita [centro de São Paulo], numa empresa chamada Fubesp. Foi meu pai que me descolou esse emprego, na época ele trabalhava no Banespa, que hoje é Santander. Trabalhei em balcão de bar, na administração de um bingo. Numa fábrica de calça jeans, eu tinha que levar as peças para as costureiras pregarem os bolsos, eu era o ajudante do cara que fazia isso. Com esse físico todo eu carregava as calças para o carro. Cheguei a estudar direito. Eu queria? Não! Meu pai queria que eu fosse advogado. Estudei, mas não terminei, lá na Unicapital, uma faculdade na Mooca. Quando eu era moleque engraxei sapato. Eu gostava de trampar, sempre fui ligado nessas coisas de trabalho. Tanto que na música eu ganhava um dinheirinho desde cedo, comprava um tênis, uma camiseta, ia passear. Dava pra se divertir, comprar um cachorro-quente na praça.

Folha Online - Você cresceu ouvindo samba, e hoje em dia, o que você ouve?
Rodrigo Campos - Eu sou um cara muito da música brasileira. Fora isso presto muita atenção em trilha de filme, música instrumental. Mas, meu interesse é muito na letra. Para mim, história é a canção, junção de música e letra. Então a música brasileira é muito rica nisso. Ouço samba, MPB, desde os sambistas mais antigos, como Cartola, Nelson do Cavaquinho, Noel Rosa, até os caras de hoje, Romulo Fróes, Kiko Dinucci, Douglas Germano, as compositoras Céu, Luisa Maita, Mariana Aydar, Andréa Dias. Eu e o Romulo [Fróes] vamos fazer um show no Auditório do Ibirapuera, inclusive nos encontramos há pouco para discutir o formato da apresentação, junto com o Bruno Morais. Os três abrem o show, tocando e cantando, depois cada um vai fazer meia hora solo, e, nos intervalos, os três sobem de novo ao palco para fazer um batuquezinho e cantar uma música conhecida de algum sambista. Vai ser bem legal. O Romulo tem três discos, e o último são praticamente dois. O cara produz pra caramba.

Folha Online - Como você conheceu o Beto?
Rodrigo Campos - Eu conheci o Beto quando fui gravar uma participação no disco da Céu. Foi indicação do Curumin ou de alguém da banda dele... O Lucas, talvez. Estavam precisando de alguém que tocasse cavaquinho e lá fui eu. Conheci o Beto, a Céu. Depois disso fiquei interessado pelo trabalho que ele fazia. Quando eu decidi fazer o disco eu o procurei, por conta da primeira impressão que eu tive e de toda aquela coisa de cinema que ele tinha. Eu sempre fui muito fã de cinema e, pretensiosamente, queria que as composições tivessem alguma coisa de cena, poder contar uma historinha. Acabou que a intervenção do Beto deu essa atmosfera de cinema ao disco. Ele trouxe o Antonio Pinto, que é outro compositor de cinema. E foi muito legal na hora de trabalhar. Nos tornamos grandes amigos, ele é um cara que eu amo, sou apaixonado, no mínimo. [risos]

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"São Mateus", gravada por Fabi Cozza, forma trilogia com "Mangue e Fogo" e "Salve Fabrício"

Folha Online - Por que "São Mateus" não entrou nesse disco?
Rodrigo Campos - Ela sempre foi uma das músicas mais bonitas que fiz, sempre chamou muita atenção, por isso tanta gente gravou. Recebi elogios de Hermínio Bello de Carvalho, de Roberto Mendes por ela. Muitos críticos também citavam essa música no primeiro disco da Fabi [Fabiana Cozza]. Coloquei a música na roda, junto com outras 15 e começamos a produzir todas simultaneamente. Os arranjos de duas delas ficaram menos legais. Uma delas era justamente "São Mateus" --a outra era "Maria e Moleque", que foi para o disco da Luísa Maita. Então resolvemos tirá-las, mesmo porque, o disco ia ficar muito grande --ele já é, tem 14. No segundo motivo eu pensei depois. A música chama "São Mateus" e o disco todo é sobre o bairro. Não pensei nisso quando fiz a música, mesmo porque ela foi o ponto de partida de toda essa safra que veio no disco, principalmente da trilogia que forma com "Salve Fabrício" e "Mangue e Fogo". E, por ela ter esse nome, acaba dando uma estigmatizada, porque fala da violência e não sobre a periferia no geral, como no disco. O terceiro motivo é porque ela foi gravada por várias pessoas. Nenhuma dessas razões é tão forte, mas foram suficientes para que a música não entrasse mesmo. E é bom que gera uma curiosidade, muitas pessoas perguntam quando eu vou tocá-la num show. Por conta disso, estamos montando um arranjo para ela, está ficando legal. Para o repertório do próximo show não garanto, mas acho que para o Grazie a Dio! deve rolar.

Folha Online - "São Mateus Não é um Lugar Assim Tão Longe" é algo que você falava com frequência para seus amigos?
Rodrigo Campos - Eu ouvia bastante quando eu comecei a frequentar mais o centro, quando eu mudei pra Mooca e depois para Pinheiros. Mas, principalmente, quando eu morava lá em São Mateus ainda. "Pô, longe pra caramba, hein, meu!". Eu nunca achei tão longe, mesmo porque a gente se acostuma a percorrer aquela distância. Depois que eu mudei, até achei mais longe! Esse título tem a ver também com uma coisa emocional minha. Eu digo isso para mim também, "São Mateus Não é um Lugar Assim Tão Longe", porque eu carrego São Mateus comigo. O disco é uma maneira de eu estar perto do bairro, onde quer que eu esteja, poder carregar essa minha história comigo.


Agenda de Rodrigo Campos
Ouça mais em www.myspace.com/saomateus


Sesc Vila Mariana
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Livraria da Vila - r. Fradique Coutinho, 915, Pinheiros, região oeste, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3814-5811. Sex. (28/8): 19h. Grátis. Classificação etária: livre.


Grazie a Dio! - r. Girassol, 67, Vila Madalena, região oeste, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3031-6568. Seg. (7/9): 22h. Ingr.: R$ 15. Não recomendado para menores de 18 anos.


Auditório Ibirapuera - av. Pedro Álvares Cabral, s/ nº, portão 2, Parque Ibirapuera, região sul, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3629-1075. Dom. (13/9): 21h. Preço e classificação etária ainda não divulgados.

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