Céu perpetua malemolência e brasilidade em "Vagarosa"

O lançamento do EP "Cangote", no início deste ano, cumpriu muito bem o papel de aperitivo. Deu para atiçar a vontade de degustar mais da sonoridade "brazuca", cosmopolita e malemolente que Céu consegue transformar em música. Depois de vazar na internet, chega às lojas, como quem não quer nada, o aguardado disco da cantora paulistana, "Vagarosa".

Crédito: Marcelo Gomes/Divulgação
Cantora paulistana Céu lança o álbum "Vagarosa" após um ano e meio em estúdio

Entre as 13 faixas --produzidas por Beto Villares, Gustavo Lenza, Gui Amabis e pela própria--, há algumas reconhecíveis, que apareciam entre uma "Lenda" e uma "Malemolência" nos shows do disco anterior. "Sonâmbulo", por exemplo, vestiu uma roupagem mais suave e orgânica, mas manteve o gingado --tanto na levada como nos vocais reggae-power de Céu. "No disco, eu optei por uma história mais orgânica, mais tocada, com menos beat, menos pressão", explica.

Das quatro músicas do EP, somente "Visgo de Jaca", que ficou um tempo no player de um de seus perfis no Myspace e foi interpretada inúmeras vezes ao vivo, não entrou no álbum, por esse último motivo. "Hoje em dia não tem muita importância a música entrar no disco ou não, porque ela está aí, na internet, todo mundo ouve", comenta. "Cangote", "Sonâmbulo" e "Bubuia" seguem no CD.

Confeccionado no estúdio da Ambulante e distribuído pelo selo Urban Jungle, o novo disco mantém a fidelidade de Céu à música brasileira. "Eu acho que 'Vagarosa' é um disco que conversa bastante com o primeiro, mas que reafirma um pouco mais o que eu sou." E essa maturidade é visível nos vocais versáteis e na onipresença da cantora na ficha técnica do novo trabalho.

Crédito: Marcelo Gomes/Divulgação
Céu engata turnê brasileira até outubro, quando segue para Europa

Das participações, a do baterista Gigante Brasil --que morreu no ano passado--, em "Cangote" e "Papa", emociona Céu: "Eu queria o Gigante comigo há muito tempo. Até cogitei chamá-lo para minha banda, mas ele estava todo compromissado. Quando o conheci, me apaixonei. Enfim ele gravou, ficamos conversando, eu estava supergrávida. Foi um momento bem mágico. E ele se foi... Um cara que vai dormindo só pode ser muito iluminado".

No sambinha "Vira-Lata", Céu também realizou o desejo que tinha há um tempo: ter a voz "absurda" de Luiz Melodia em uma música sua. "Sou fãzona! O "Peróla Negra" foi uma grande referência para mim de sonoridade tocada, orgânica. Eu estava ouvindo loucamente esse disco, inclusive na turnê nos Estados Unidos. Tomei coragem para chamá-lo, ele aceitou e eu fiquei toda me achando", brinca.

No mês passado, Céu levou a turnê de "Vagarosa" para Nova York --onde morou em 1998 e trabalhou de faxineira, garçonete e seguradora de casacos-- e outras cidades dos Estados Unidos --o país, onde tem público consolidado, foi o primeiro a receber o disco. Em São Paulo, ela deu uma palhinha no último dia 13, durante um show no Prata da Casa 10 Anos, no Sesc Pompeia. As próximas datas são no Auditório Ibirapuera, em 3, 4 e 5 de outubro. "Os convidados ainda não estão confirmados, mas posso dizer que vou torcer muito para ter o Luiz Melodia comigo." A turnê europeia também já está marcada, começa em 20 de outubro.

Ao palco, ela sobe com DJ Marco, Bruno Buarque (percussão), Sergio Machado (bateria) Guilherme Ribeiro (teclados), Lucas Martins (baixo e guitarra) e Gustavo Lenza, para interpretar as faixas novas, músicas do disco anterior e versões, como "Dedicated to You", de Ray Charles e Betty Carter.


"Vagarosa": cinco faixas

Crédito: Reprodução
"Vagarosa", de Céu, chega aos poucos nas lojas do Brasil; o disco saiu primeiro nos EUA

Das 13 músicas de "Vagarosa", foram escolhidas cinco em que ritmos jamaicanos e a levada afro estão mais presentes. Os metais, o órgão e o mellotron deixam toda a coisa reggae mais classuda, em constraste com as raízes da música brasileira, que aparecem nas construções simples e nas pitadas de regionalismo das letras de Céu. Mais fácil de transpor ao palco, o disco é para ser ouvido sem pressa.

"Cangote" (faixa 2)
O primeiro verso do álbum, "Vai pegar feito bocejo", é o último em "Cangote", uma das músicas mais temperadas da seleção. O nome do disco também aparece na letra, composta por Céu. Esta é uma das faixas em que Gigante Brasil comanda a bateria, com batucadas mansas. Na guitarra e no baixo, Beto Villares dá curvas à levada dub. O produtor do disco também faz os scratches, que surtem efeitos interessantes, como um delay na voz. Mas o órgão, de Pepe Cisneros, e o mellotron, de Gustavo Lenza e Gui Amabis --que também produziram o disco--, roubam a cena e dão um "quê" de boemia e sensualidade à canção (ouça os 45 segundos finais). "Infelizmente não temos a possibilidade de levar o mellotron para o palco. Ele tem um som maravilhoso, mas é muito pesado. Aí meu incrível DJ acaba transpondo isso para a MPC e soltando os timbres no palco", conta Céu.

"Comadi" (faixa 3)
Mais leve e animada, a levada reggae está no vocal de Céu. A Jamaica aparece aqui bem elegante, com roupagem mais jazz. "A comadi balança, iaiá, iaiá" também pega que nem bocejo. O mellotron está de volta, comandado por Gustavo Lenza, Chiquinho, Amabis e Beto, que também toca guitarra semiacústica e Rhodes. Lucas Martins dá conta do baixo e Lenza da outra guitarra. Na bateria, Pupillo.

"Cordão da Insônia" (faixa 7)
Depois de alguns segundos de batucada e barulhinhos misteriosos à la leste europeu, começa um reggae gostoso e o lado cosmopolita de Céu se aflora num vocal bem adocicado: "Dorme, dorme, Babilônia/ Quanto mais quietinha fica/ Mais aumenta a insônia/ E desperta a retina". A voz-trovão de BNegão ecoa em alguns momentos da música, que tem Curumin na bateria. Mais uma vez aparece o mellotron, conduzido por Beto, que também assina o baixo, o piano e os samples. Recos (Maurício Alves), clave, ilu, tamborete, tonton (Bruno Buarque) e moog (Chiquinho) originam as demais sonoridades da música. Beto divide a autoria da letra com Céu.

"Papa" (faixa 8)
Os quatro versinhos que Céu canta em inglês nessa vinheta de 1 minuto e 22 segundos pulverizam-se sobre as batidas de Gigante Brasil, samples e programação de Gui Amabis e baixo e piano de Beto. "Essa letra é sobre uma conversa minha com meu pai [o maestro e compositor brasileiro Edgar Poças]. Muitas facetas do meu pai me inspiram. Ele sempre foi um boêmio, do mundo da música, do violão, amigo do Baden, do Vinícius. Ele vai me influenciar até a última nota."

"Sonâmbulo" (faixa 12)
"Sonâmbulo" é a "Malemolência" de "Vagarosa". E tem também o refrão do disco que mais pega feito bocejo: "Que é bom desconfiar dos 'bons' elementos", cantado em tom "rastafarai" por Céu. Ela traz à tona a sensualidade que o mistério da letra provoca, intensificada por um gingado afrobeat mais orgânico, com scratches pontuais do DJ Marco e notas da escaleta de Marcelo Jeneci. A bateria é de Serginho Machado, a percussão de Bruno Buarque, o baixo de Lucas Martins, o teclado de Guilherme Ribeiro, a guitarra e as programações de Beto.

Outras "vagarosidades"

Vale destacar a participação de Rodrigo Campos na faixa de abertura "Sobre o Amor e Seu Trabalho Silencioso", em que toca cavaquinho, e "Vira-Lata", em que assina o cavaquinho, o pandeirão e o tamborim. "Rosa Menina Rosa", a única versão do disco, é de Jorge Ben e é uma homenagem de Céu a sua filha, Rosa, de um ano. Com participação de Los Sebozos Postizos, projeto paralelo do Nação Zumbi, ela divide a categoria "viajandona" com "Ponteiro". Em "Espaçonave", a mais futurística, o blues se faz presente. "Bubuia" é a mais brasileira e feminina de todas, em que Céu divide os vocais com a diva Thalma de Freitas e Anelis Assumpção. "Grains de Beauté" e "Nascente" representam o lado "Amy Winehouse" da cantora, na levada jazz funk. Nesta última, o trompetista Guizado acrescenta um pouco de "Punx" (seu primeiro disco) à letra do compositor Siba.

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