Caco Ciocler "provoca" plateia em novo monólogo sobre teatro

Se você é daqueles que vai ao teatro sem saber nada sobre a peça em questão vai levar um susto. Logo de cara, Caco Ciocler --que interpreta um ator frustrado, raivoso e desolado-- diz que não tem nada para dizer, que está ali por obrigação e que tem certeza de que todos sairão do espetáculo lamentando muito. O motivo? A transformação do teatro em mero produto de mercado.

"Existe alguma coisa que ainda não foi dita? Se existe algo, o que é?", diz um trecho do monólogo, escrito de forma provocativa pelo dramaturgo Marcelo Pedreira. Em meio a silêncios sepulcrais e a risos, muitas vezes, bastante tensos, a plateia se vê dentro de uma discussão sobre o sentido da arte. E o ator ali no palco, deslocado, faz de tudo para fazer o tempo passar o mais rápido possível e se livrar do tipo de público que mal se acomoda na cadeira e já está prestes a tirar um cochilo.

Crédito: Guga Melgar/Divulgação Caco Ciocler (foto) provoca a plateia durante o monólogo "45 Minutos", em cartaz de quinta a domingo, no CCSP

Mas não é só isso não. A peça também tem muita mágica, luz, Shakespeare, citações a Nietzsche e Dostoiévski e até um número musical. Ou quase isso. Ah, e não pense que a peça, dirigida por Roberto Alvim, é "fechada". Tudo o que você fizer (um barulho fora de hora, uma risada "especial" ou um comentário qualquer) pode ser usado no espetáculo.

Caco fica atento à reação das pessoas e aposta num lado, digamos, "stand-up", para improvisar a cada coisinha que escuta. "Eu gosto, acho que isso coloca o público numa tensão interessante, que ajuda a peça. Eu geralmente me saio bem", conta o ator.

Abaixo, leia uma breve entrevista na qual Caco Ciocler fala sobre a temporada não tão divulgada no Rio de Janeiro, a participação do público e a proposta de "45 Minutos", que está em cartaz de quinta-feira a domingo, no Centro Cultural São Paulo (centro da capital), com ingresso a R$ 20.

Informe-se sobre a peça


Guia Folha - A temporada no Rio não atraiu muito público, mas, em São Paulo, já chegou fazendo sucesso. Por que você acha que houve essa diferença?
Caco Ciocler - Eu acho que a gente errou na escolha do teatro que a peça estreou no Rio. O lugar é lindo mas senti as pessoas bastante preguiçosas e relutantes em ir ao centro, às 19h30! As pessoas que iam eram aquelas que trabalhavam por ali mesmo e que queriam se entreter um pouco para esperar passar o trânsito e poder voltar para casa. E, como a peça bate feio justamente nessa postura do público que procura o teatro para passar o tempo, as sessões tinham um caráter de enfrentamento bastante peculiar. Meus amigos não foram ver a peça, a crítica do único jornal carioca não foi ver a peça. Quando a gente foi para a zona sul, muita gente achou que era a nossa estreia. A coisa começou a melhorar bastante mas tínhamos apenas mais três semanas. O tempo foi curto para uma recuperação, uma pena. Quem foi, adorou, e começou um movimento da classe [teatral] que entendeu a importância desse quase manifesto.

A peça abre espaço para que o público sugira coisas, e alguns acabam se empolgando na "participação". Tem que ser assim mesmo ou tem gente que exagera?
Eu gosto disso! Procuro reagir a cada barulhinho que ouço, para deixar claro que eu estou escutando tudo mesmo. Nos dois dias da estreia aqui em SP, eu ainda estava um pouco tímido com esse jogo --o palco era novo, o público era novo, mas comecei a brincar mais a partir da terceira apresentação. Acho que isso coloca o público numa tensão interessante, que ajuda a peça. Eu geralmente me saio bem! Mesmo quando a reação tem um caráter um pouco ofensivo e mal educado, eu costumo usar isso a favor da discussão da peça. Isso acaba me servindo de combustível.

A intenção da peça é fazer com que o público saia do teatro como? Surpreso? Pensativo?
A intenção é brincar um pouco de se recusar a oferecer ao público aquilo que ele está acostumado a receber quando vai a uma peça de teatro. Isso gera uma situação interessante de reformulação do pensamento e até sensorial. A ferida do teatro é exposta, e a peça convoca o público a entrar em contato com essa pústula, por ser parte integrante dela. É uma declaração de amor ao teatro que não quer sucumbir, que não admite ser um produto cultural, ou de mercado, que se recusa a ser simplesmente um meio de entretenimento.

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