Dono de bar, que nunca foi a um museu, expõe desenhos em galeria

Quando ele saca do seu jaleco azul uma caneca Bic e se isola em uma mesa no canto direito do bar, a mulher de Biu já sabe: é sua vez de assumir o comando da cozinha.

Crédito: Beatriz Toledo/Folha Imagem
Os desenhos de Severino nascem na mesa do bar e são expostos na galeria vizinha

Embora se apresente como o autor das populares receitas nordestinas do Bar do Biu, em Pinheiros, há três anos que Severino Gomes da Silva, 61, deixou Edinólia, 51, responsável pelo legado.

Criador do baião-de-dois feito com 20 ingredientes, Biu se considera um artista. Não pelos bonecos, dragões e outros animais de um mundo bizarro desenhados por ele nos papéis sobre as mesas do boteco. E olha que eles caíram no gosto de artistas da galeria vizinha, a Choque Cultural.

A verve criativa da qual Biu se orgulha está mesmo no fogão do bar --e no apinhado de gente que se acotovela no balcão do pé-sujo, na esquina da rua João Moura com a Cardeal Arco Verde, para experimentar as iguarias nordestinas. "Conseguir o ganha-pão para mim já é coisa de artista", resume Biu.

De arte mesmo, ele gosta de pinturas "com história", de preferência as que retratam cenas de natureza e paisagens do interior, como as que decoram as paredes do bar compradas de um vendedor ambulante.

Biu está animadíssimo com a reprise da novela "Pantanal", no SBT, de onde tira referências para os bichos que desenha. Nunca foi ao Masp nem a qualquer outro museu. E, apesar da convivência com o pessoal da galeria vizinha, também nunca pisou na Choque Cultural.

Ele sabe que é exibido lá algo parecido com os grafites dos muros da cidade --e já não gosta de antemão. Para ele, é tudo pichação, "coisa de gente revoltada". A invasão da galeria por um grupo de pichadores, no dia 6, só ajudou a confundir as coisas na cabeça do dono do bar.

Crédito: Divulgação
Biu tira referência de bichos da novela "Pantanal" para fazer os seus desenhos

Se o estilo da Choque Cultural não agrada a Biu, seus desenhos foram aprovadíssimos pelo galerista Baixo Ribeiro. Ele já havia colocado obras do vizinho do bar na parede da galeria, atrás da recepção, mas, agora, resolveu profissionalizar o negócio: reproduziu alguns desenhos de Biu. Eles estão expostos no formato de pôsteres paralelamente à exposição "Trimassa", com artistas gaúchos.

"Esse grupo é bem próximo do Biu. Os artistas adoram os desenhos dele, achei que tinha tudo a ver expor agora", diz Baixo, que não pensa em comercializar os trabalhos. Trata-se de uma surpresa para o amigo: "Quis fazer uma homenagem, depois espero que ele pendure os pôsteres no bar".

Assim como o dono, a maioria dos artistas da galeria é assídua consumidora do baião-de-dois e fã dos desenhos de Biu: "Todos eles já levaram um e colocaram numa moldura para pendurar em casa", orgulha-se a dona Edi, mulher do mais novo artista da Choque Cultural.

Embora sem muito diálogo e com poucas afinidades compartilhadas, foi graças à sua convivência com o grupo que Biu começou a fazer os seus "feiosos", como chama os trabalhos artísticos. Admirado com a facilidade com que, entre uma cerveja e uma garfada, os artistas usavam a mesa do bar para começar um trabalho, ele decidiu tentar também.

Tinico Rosa, 29, foi um dos primeiros a reparar na arte do Biu. Tinha ido ao bar depois da abertura da sua primeira individual na Choque, em 2006, quando conheceu o dono.

Nessa época, Biu já estava mais distante da cozinha e compenetrado nos desenhos. "Fiquei impressionado como eram bem trabalhados", conta Tinico, nascido no interior do Rio Grande do Sul, que diz ter se identificado com a ingenuidade interiorana do paraibano.

Logo uma amizade nasceu entre os dois. Dono do primeiro desenho colorido de Biu, Tinico se emocionou com o retrato que o artista-cozinheiro fez dele na última vez em que foi ao bar.

As caricaturas de clientes são outra marca de Biu. É curioso notar a semelhança entre seus desenhos e o trabalho de alguns artistas, principalmente os que estão na atual exposição da Choque Cultural, como Carlos Dias, Jaca e Carla Barth.

"Desde que o Carlinhos fez o painel em frente ao bar, notei que Biu incorporou alguns traços dele", palpita Jaca, 51, freqüentador do local há dois anos. Ilustrador e com forte influência de quadrinhos, ele também desenha figuras bem semelhantes às feitas pelo "autor" do baião-de-dois.

Galeria Choque Cultural - r. João Moura, 997, Pinheiros, região oeste, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/ 3061-4051. Seg. a sab.: 12h às 19h. Até 31/10. Livre. Grátis.

Leia Mais

Livraria da Folha

As informações estão atualizadas até a data acima. Sugerimos contatar o local para confirmar as informações

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas

Ver mais