Arte contemporânea da Índia contrapõe tradição e globalização

Crédito: Raghubir Singh/Divulgação

Aquela Índia faminta e mística dos noticiários vive o atropelo da modernização acelerada. Crises econômicas e políticas, poluição, imigração, abalo dos valores tradicionais e outros brindes da globalização assolam o cotidiano de seus mais de 1 bilhão de habitantes e recaem sobre a arte contemporânea do país, que chega bem representada à capital paulista com a exposição "Urban Manners 2" nesta quinta-feira (21).

Veja galeria de fotos da exposição

Em três ambientes do galpão do Sesc Pompeia (região oeste), obras de 11 artistas indianos refletem o impasse tradição versus globalização em pop art, videoarte, fotografias, instalações, esculturas e grafite. E desse protesto pacífico, Gandhi também participa: uma escultura do revolucionário aparece grafitada, à frente de um aglomerado de letreiros de lojas indianas. O criador, Probir Grupta, intitulou o trabalho de "The National Product (Gandhi) and Others", uma brincadeira com a sigla em inglês GNP, o que chamamos de PIB (Produto Interno Bruto).

Ao lado, uma porta dá entrada ao breu espiritual que climatiza a instalação "Neelkanth (Blue Throat): Poison/Nectar", de Sheba Chhachhi, uma alusão ao mito e ao templo de Neelkanth, onde Shiva bebeu o veneno que deixou sua garganta azul. Torres metálicas iluminadas, com imagens isoladas de órgãos dos sentidos no topo, culminam na garganta azul que se movimenta visceralmente em uma tela. A instalação representa um verdadeiro organismo vivo, em forma de uma cidade com seus arranha-céus, cercada pelo lixo que ela própria produz --nos cantos da sala, imagens congeladas mostram pássaros e uma vaca procurando alimento em aterros sanitários. "Na Índia, cada um dos órgãos dos sentidos representa um dos elementos da natureza. Está tudo envenenado", explica Chhachhi.

Crédito: Divulgação legenda: probir gupta - urban manners crédito: Divulgação
Em "The National Product (Gandhi) and Others" (2008), de Probir Gupta, Gandhi aparece grafitado

"Hungry God", o deus faminto de Subodh Gupta, um famoso artista indiano, é representado por um criterioso amontoado de panelas e outros utensílios de cozinha feitos de aço, que parte do topo da parede e se derrama pelos pés do observador. Ali, a rápida transformação urbana e a resistente adaptação do indiano a um novo estilo de vida também induzem à reflexão.

Dois outros presentinhos da globalização, o consumismo e a poluição são os temas trabalhados pela jovem dupla Thukral & Tagra, que montou um enorme dinossauro cor-de-rosa com garrafas de plástico, com o nome de "Now in Your Neighborhood". Os indianos também trouxeram duas novas pinturas, concebidas a partir de elementos da pop art.

"A Índia viveu uma crise no ano passado e isso foi bom para a arte contemporânea", contrapõe Chhachhi. "A arte viveu um 'boom', o mercado se abriu e com isso muitos artistas se tornaram repetitivos para dar conta de tanta produção. Com a crise, o mercado retraiu, o ritmo de produção teve que desacelerar e isso trouxe mais foco".

Essa transição atropelada que a Índia sofre não passou incólume às lentes do famoso fotógrafo Raghubir Singh, morto em 1999. Sua esposa, a francesa Anne de Henning, acompanha de perto a exposição, que apresenta uma série de 14 imagens do artista. "Por meio da composição de cores, ângulos e reflexos, ele registrava cenas cotidianas que reúnem o ancestral e o moderno, a tradição e a urbanização. É uma verdadeira linha do tempo da história da Índia."

Informe-se sobre o evento

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas

Ver mais