"Balkan beats" tomam a Pauliceia por uma noite

Crédito: Paulo Salerno/Divulgação

A obscuridade e o misticismo do leste europeu exercem fascínio sobre quem busca novas sonoridades. É o caso de Maria Almeida e Sol Provvidente, as produtoras da Go East, única festa brasileira dedicada exclusivamente à música feita pelos balcânicos --os "balkan beats". Com 11 edições já realizadas no Rio de Janeiro, a festa realiza a primeira noite na capital paulista nesta sexta-feira (24).

Na ocasião, o clube Jive foi escolhido para receber DJs, VJ, música ao vivo, dançarina e performances do grupo Kolorama. Para a atmosfera ficar completa, haverá shots grátis de vodca e rakija, narguile e outros elementos tradicionais da cultura balcânica.

Violinos, trompetes, tubas, acordeom, clarinete, flauta e tambores são alguns dos instrumentos que caracterizam o som feito pelos bálcãs. Nas mãos de Balkan Beat Box e Gogol Bordello --a banda que mistura punk rock e música cigana, uma das atrações principais do Tim Festival do ano passado--, os "balkan beats" ganham outra roupagem, sem perder a personalidade. Esses são alguns dos nomes mais conhecidos da cena e que também aparecem nos sets de Maria e Sol --a dupla aprendeu a discotecar para fazer a festa e montou o Kalderash Sound System, formado também pelo DJ Torres e pelas "performers" Nara e Fécula.

A festa já recebeu Eugene Hütz, do Gogol Bordello, o DJ alemão Kosta Kostov e o DJ francês Click, dois "experts" dos "balkan beats".

Para entender melhor a proposta da Go East e mostrar porque ela tem dado certo há quase três anos, o Guia da Folha Online procurou as responsáveis por incluir balangandãs e ciganices na noite brasileira. Leia o bate-papo abaixo:

Folha - Como surgiu a ideia de fazer a festa?
Go East - A ideia surgiu quando eu [Maria], Sol e Nara [antiga coprodutora da Go East!] nos conhecemos e descobrimos essa paixão em comum pela música dos Bálcãs. A gente também concordava que a cena noturna aqui no Rio estava estagnada há anos e achamos que esse tipo de música talvez pudesse dar uma sacudida nisso. Quando soubemos que em diversos países da Europa já havia uma cena de "balkan beats", pensamos 'se já pegou lá, a gente pode conseguir fazer pegar aqui!'. Então entramos de cabeça mesmo: começamos a trabalhar na ideia da Go East! no início de 2007, pesquisando, tentando 'vender a ideia' para as casas noturnas aqui do Rio. Em novembro do mesmo ano, a festa finalmente veio ao mundo.

Folha - Como foi a primeira edição da festa? O público aceitou bem?
Go East - A primeira edição foi demais! Estávamos apavoradas porque a gente não fazia ideia de como o público iria 'responder' àquilo tudo. Tivemos 400 pessoas na estreia da festa, para alívio e felicidade geral. As duas horas iniciais foram tensas: o público foi chegando mas ninguém se mexia. O pessoal ficou parado em frente ao palco de onde estávamos discotecando, olhando um para a cara do outro, meio sem saber como dançar aquele tipo de som. A gente então focou na discotecagem para não ficarmos desesperadas e, de repente, quando olhamos para o público de novo, estavam todos dançando loucamente. O mais divertido foi ver gente de tudo quanto é tribo dançando na mesma pista: nunca vou me esquecer do metaleiro de calça de couro, 'spikes' por todo lado e cabelão indo quase até o chão no meio da pista. Ou do carinha que invadiu o palco do DJ e começou a dançar fazendo strip-tease. Foi mágico!

Folha - Em São Paulo, o "balkan beats" não tem uma festa grande como a Go East. Por que vocês acham que isso acontece, sendo que a cidade tem uma das noites mais ecléticas do país?
Go East - Na verdade, eu acho que ainda rola um certo receio por parte dos donos de clubes em São Paulo de fazer uma noite exclusivamente balcânica. Talvez por acharem que é um som específico demais para atrair público suficiente. O que acontece é que muita gente pensa o "balkan beats" como um estilo musical, quando na verdade é como se fosse um outro 'universo musical': dentro de "balkan beats", você tem o eletrônico (em todas as suas variações), rock, pop, reggae, dub e derivados, jazz, folk e por aí vai. São vários estilos, com zilhões de possibilidades. Aqui no Rio, apesar da Go East! ainda ser a única a fazer um som 100% nessa linha, várias outras festas estão incluindo esse tipo de som nos seus sets.

Folha - Qual a relação de vocês com a música dos Bálcãs?
Go East - O primeiro contato foi em 2000 ou 2001, quando eu [Maria] e uns amigos estávamos discotecando na festa de aniversário de uma outra amiga. Um dos convidados da festa era um cara romeno, que chegou para nós com uma fita K7 pedindo que a gente a deixasse rolar. Perguntamos que tipo de som era e ele disse 'é música da Iugoslávia' (mais tarde é que descobrimos que se tratava da trilha sonora do filme 'Underground', dirigido pelo bósnio/sérvio Emir Kusturica). Quando tocamos a tal fita, foi um momento totalmente mágico! A festa --que estava super dispersa-- se virou para onde vinha o som: de repente estavam todos na pista, dançando até cair, música atrás de música. Por anos e anos essa fita K7 era a única referência de música dos Bálcãs que eu tinha, até que em 2006, eu tive o 'click' de procurar na internet por mais coisas naquela linha. Foi aí que um monte de estilos diferentes começaram a aparecer e entrei de cabeça na pesquisa. Até hoje a gente sempre descobre uma banda ou artista novo a todo instante, é realmente um universo musical enorme.

Folha - Qual a fonte de pesquisa musical de vocês? Costumam viajar para o leste europeu? Como são as festas lá?
Go East - Internet, acima de tudo. É o jeito mais rápido de se ter acesso a essas coisas todas, porque aqui no Brasil não se acha esse tipo de som em CD à venda. A gente 'tá' sempre em contato com DJs amigos nossos da Europa ocidental e oriental, que vão nos mandando coisas novas. Eu, sempre que posso, vou ao território dos Bálcãs. Passei seis meses entre a Sérvia e Bulgária entre 2007 e 2008 e me apaixonei pela região: são lugares fantásticos, com uma cultura super rica e um povo incrível, nada a ver com as coisas que a gente volta e meia vê nos noticiários sobre esses países. Na Sérvia --onde passei 90% desse tempo--, as festas eram selvagens: no verão de mais de 40º C de lá, bandas ciganas e de música folclórica tocam a noite inteira em clubes flutuantes no rio Sava e no rio Danúbio, com gente dançando em cima das mesas e balcões, quebrando copos, cantando juntos e abraçados. É uma energia incrível! E mesmo no inverno de -18º C, os clubes lotam de gente. É um clima de celebração contínuo. Eu saía das festas de alma lavada, feliz da vida. Na Europa ocidental, as festas de "balkan beats" variam muito: algumas primam pela ambientação que criam, outras pelos DJs maravilhosos, algumas focam mais no som ao vivo, com bandas. E, em comum, todas têm essa coisa da energia mesmo, o pessoal dançando junto até se acabar.

Folha - Que artistas de "balkan beats" vocês destacariam e por quê?
Go East - O primeiro que me vem em mente é o Goran Bregovi. Ele é um dos grandes responsáveis por tornar a música dos Bálcãs --seja ela folclórica ou cigana-- acessível ao mundo todo, através das trilhas sonoras maravilhosas que ele fez pra diversos filmes. Gogol Bordello, é claro, que mistura punk rock e música cigana e já é bem conhecido aqui no Brasil. O Balkan Beat Box, uma banda que mistura música do Oriente Médio e dos Bálcãs com ritmos eletrônicos. Indico a Esma Redepova (cigana e da Macedônia, que além de uma voz maravilhosa tem um trabalho social incrível com crianças refugiadas de guerras) e o falecido Saban Bajramovic (chamado de 'rei da música cigana'). Importantes também, os DJs Click (França), Shantel (Alemanha) e Gaetano Fabri (Bélgica), que são grandes nomes na cena europeia. Numa linha mais cigana, tem a banda Taraf de Haïdouks (ciganos da Romênia), que inclusive foi apadrinhada pelo ator Johnny Depp depois de fazerem parte da trilha sonora de um dos filmes no qual ele atuou. Enfim, a lista é realmente gigantesca.

Folha - O Kalderash Sound System surgiu com a festa?
Go East - O Kalderash surgiu junto com a festa, já que a Go East seria 100% dedicada à música balcânica, então precisávamos de DJs especializados nesse gênero musical e, aqui no Brasil, não existiam ou pelo menos não os encontramos. Eu [Sol] tinha muita vontade de fazer curso de DJ, mas até conhecer a música bálcã eu não tinha motivação para começar. Como não encontrávamos DJs, eu resolvi ir fazer o curso e insisti para que a Maria e o Pincel também fizessem, para que pudéssemos formar uma equipe especializada nesse tipo de som. Aí nasceu o Kalderash. A ideia do projeto é ser uma sound system, no sentido histórico da expressão. Ser itinerante e difundir um som novo através de festas.

Folha - Existe gente no Brasil fazendo "balkan beats"?
Go East - Existem DJs aqui no Brasil que já trabalham com esse tipo de som, produzindo faixas, remixes e mashups, como Lucio K, Gabriel Gardenal, Leo Borzskjdkj, entre outros. Algumas bandas brasileiras já têm a música dos Bálcãs como influência há bastante tempo. É o caso do Móveis Coloniais de Acajú, de Brasília, da Orquestra Voadora e do Brasov --ambas do Rio--, que têm uma pitada de leste europeu e metais ciganos no som que fazem.

Folha - A dança e outros aspectos culturais dos Bálcãs também fazem parte da festa?
Go East - Quando concebemos a Go East, nossa ideia era ir além do fator pista de dança e trazer mais aspectos culturais desses países do sudeste europeu. Então, sempre exibimos ou lançamos filmes balcânicos (como o 'Underground' e o 'A Vida é um Milagre', ambos dirigidos por Emir Kusturica) ou trazemos um VJ que apresenta imagens bem legais do leste europeu. Também servimos shots de bebidas típicas, como a 'rákia', que é um destilado de frutas, o equivalente balcânico da vodca. O lado mais performático também está presente, seja com dança cigana ou folclórica, a cargo do grupo Kolorama. O Kolorama foi criado por mim [Maria] mais duas amigas, Chica e Carol, com a ideia de misturar a dança folclórica dos Bálcãs com performances na pista, puxando mesmo o povo da festa pra dançar com a gente.

Informe-se sobre o local

Leia mais em Noite

Leia mais no Guia da Folha Online

Especial

As informações estão atualizadas até a data acima. Sugerimos contatar o local para confirmar as informações

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas

Ver mais