Kiko Dinucci lança disco com composições próprias na boca dos outros

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O violão frenético de Kiko Dinucci canta de tudo que é jeito num disco em que ele mal abre a boca. Na verdade, o músico escolheu 15 de suas composições e jogou em "Na Boca dos Outros", CD que ele lança sexta-feira (5), no projeto Plataforma, do Sesc Pompeia (região oeste).

Da uma dúzia de intérpretes reunida no álbum, Kiko recebe no palco cinco deles. Alessandra Leão, Juçara Marçal, Marcelo Pretto, Maurício Pereira e Suzana Salles entoam a cantoria enquanto o próprio empunha o violão e encabeça o trio que forma com Thiago França no saxofone e Sérgio Machado na bateria.

"Acho que é meio uma necessidade de compositor ver gente cantando sua música. Mas já que isso é difícil, já que Maria Bethânia não grava minha música, eu resolvi instaurar uma ditadura, escolher o que cada cantor iria gravar, colocar todo mundo no mesmo disco e pronto", brinca. "E esse pessoal todo é do meu convívio, gente que eu já bebi cervejinha junto, já joguei conversinha fora. Não teve aquela coisa de conquistar o artista. São pessoas que eu admiro e estava ansioso para ouvir alguma coisa na voz delas".

E o Kiko?

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Sambista da nova geração da pauliceia, Kiko é, veja só, ex-guitarrista de uma das maiores bandas de hardcore paulista dos anos 90, a Personal Choice. Depois da conversão, foi com Juçara Marçal que o rapaz fez seu primeiro registro fonográfico: "Padê" (2008) é uma verdadeira macumba sonora, feita de elementos da herança africana, como batuques do candomblé, da umbanda e do tambor de mina. Para a boca dela, o paulistano escolheu "Partida em Arujá (Manezinho)", faixa que explora o dedilhado e a canção, e conta a história de Manezinho, que foi apitar uma partida de várzea nessa cidade do interior paulista.

A esse samba "sujo" de referências, não à toa ele atribui influências de Itamar Assumpção e Jards Macalé --como todo bom cronista, o compositor bota a lupa em cenas invisibilizadas pelo cotidiano, narrando-as de um jeito muito particular, em tons que vão do debochado ao reflexivo, tanto na letra quanto no instrumental.

"De mim, a malvada não tem pena, me trocou por um da Vila Madalena. Não faz mal, domingo eu ponho minha roupa de sair, para arranjar uma pequena que more perto daqui", canta Maurício Pereira, sobre um coitado da periferia, que "gasta mais de quinze pau" para chegar ao centro da cidade e se encontrar com a amada. Casos comuns como esse dividem espaço com relatos do submundo. Marcelo Pretto se arma com um vocal sinistro, tosses e gargalhadas para contar um deles. Escrito com Douglas Germano, seu parceiro no duo Moviola, "Forró do Homem Bomba" resume a força do estilo de Kiko, num misto do gênero nordestino com jazz e balcanidades apresentado na longa introdução instrumental.

"Eu sou de uma geração muito traumatizada com a MPB. Conheci música popular brasileira por meio de novela, por Globo de Ouro. Só chegavam a mim aquelas coisas muito comerciais, e não aquela MPB dos festivais. Foi nessa época, fim dos anos 80, que comecei a curtir rock e a prestar atenção nos sambistas, naquele samba mitológico do Rio de Janeiro, de Noel Rosa, Ary Barroso. E eu enxergava no Jards uma continuidade, um jeito de dar uma nova roupagem ao samba", contextualiza. "A referência do Itamar fica muito mais visível porque fizemos música na mesma cidade. É aquela coisa mais esquisita, de gente estranha que mora em apartamento. A gente abre a janela e tem aquele prédio cinza na sua cara e não o Pão de Açúcar. A influência maior é a da cidade, que é a mesma do Itamar, do Arrigo Barnabé, do Adoniran Barbosa.

Desarranjo certeiro

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Em janeiro, Kiko Dinucci participou da homenagem que a Casa de Francisca organizou para o centenário do mestre do samba paulista, Adoniran Barbosa. "Eu fiz um negócio de retardado. Peguei umas 15 músicas do Adoniran e rearranjei tudo", conta empolgado. "Achei que estava lascado, porque tinha um pessoal mais de idade na plateia. Comecei o show logo com uma salsa, mas todos acompanharam, aí descobri que dava para cantar do mesmo jeito. Deixei a melodia intacta".

A ousadia também foi inspirada em Itamar Assumpção, que fez novos arranjos para canções de Ataulfo Alves, a quem dedicou um disco. "Ele deixou o canto do jeito do Ataulfo e colocou sua personalidade nos arranjos. E foi isso que fiz lá em cima com meus violões 'quebrados'. Vai virar até gravação", adianta.

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