Leia diálogo inicial da nova peça de Marcelo Rubens Paiva

Crédito: Rui Mendes/Divulgação

A peça "A Noite Mais Fria do Ano", escrita e dirigida por Marcelo Rubens Paiva, estreia nesta sexta-feira (13) no Sesc Avenida Paulista (região central da capital paulista).

Abaixo, leia o diálogo inicial do espetáculo e a descrição do cenário, feitos pelo autor:


O cenário é um quiosque no calçadão da orla da praia, vazio, com mesinhas típicas, lixeira, um banco e um radinho que às vezes é aumentado. Renato entra falando no celular, com seu equipamento fotográfico. Desliga e se senta. Sente frio. Espera.

Tira discretamente uma bombinha de asma e cheira. Vê um par de sapatos no banco. Estranha. Experimenta-os. Devolve. Aparece Caio, do fundo do palco, de terno, gravata, com a barra da calça levantada, como se viesse da areia. São seus os sapatos. Caio é bem mais formal. É o chefe de Renato.

CAIO
Parado aí!

RENATO
Ô, cara, que susto!

CAIO
Faz tempo que você chegou?

RENATO
Que frio!

CAIO
Vou sentir falta deste lugar. Quer um coco?

RENATO
Coco?

CAIO
Vou tomar um, quer?

RENATO [confuso]
Um o quê?

CAIO
Um coco. Aquele fruto redondo, verde, com água dentro. Quer?

RENATO
Claro. Quer dizer... Podemos pedir algo mais calibrado?

CAIO
Cerveja?

RENATO
Você topa? Legal.

Caio pede duas cervejas no quiosque. Dan de contra-regra entrega. Renato usa a bombinha de novo. Caio volta com duas latas. Brindam.

RENATO
Agora sim... Então, qual é a pauta?

CAIO
Sabe que eu te invejo.

RENATO [amigavelmente]
Pensei que chefe não invejasse ninguém.

CAIO
Não sou muito fã de cerveja. Estufa. Prefiro conhaque. Sobe mais rápido.

RENATO
Pra que você me ligou?

CAIO
Mas esta cerveja está boa. Desceu... Será que aparecem aquelas loiras exóticas, como nos comerciais. Quem bebe cerveja parece mais feliz do que quem bebe conhaque, não? Em comercial de conhaque, o cara está sempre só, numa poltrona de couro, lareira, lendo Financial Times. É mais existencialista. Deprê. Melhor o calor do verão. Monte de gostosas. A boa!

RENATO
Com certeza...

Pausa. Renato não está entendendo aquele papo. Olham-se em silêncio por um tempo.

CAIO
Queria te fazer um comunicado. Vou largar tudo. Verdade. Vou embora.

RENATO
Vai o quê?

CAIO
Embora.

RENATO
Pra onde?

CAIO
Sei lá. Pensei em ir pra Amazônia, de bicicleta.

RENATO
Assim, sem mais?

CAIO
Sem mais nem menos. Louco, né? Não sou mais o seu chefe. Sabia?

RENATO
Como não?

CAIO
Estou fora. Fui demitido. Não mando mais.

RENATO
Caralho. Quer dizer... coitado. Puxa, anos dedicado a... Que sacanagem.

Não se contém e ri. De felicidade. Caio ri também.

RENATO
Que notícia boa. A galera vai comemorar.

CAIO
Vai?

RENATO
Está quente esta cerveja!

CAIO
Me detestam tanto assim?

RENATO
Só um pouquinho.

CAIO
Um pouquinho quanto?

Renato faz com os dedos da mão o quanto o detestam. E gargalha aliviado.

CAIO
Tudo bem. Engraçado. Minha vida agora será uma aventura. Quis vir aqui me despedir do Renatão.

RENATO [irônico]
Na noite mais fria do ano?

CAIO
E daí? Eu precisava vir, sabe?

RENATO
Me sinto... honrado.

CAIO [com ódio]
Jura? Que bom. Você merece minhas homenagens.

RENATO
Por que eu?

CAIO
Ainda pergunta? [pausa] Como ela está?

RENATO
Quente.

CAIO
Não a cerveja.

RENATO
Quem?

CAIO
Carla.

RENATO
Carla?

CAIO
É. Carla.

RENATO
Que Carla?

CAIO
Qual Carla?

RENATO
É. Qual?

CAIO
Não se faça de bobo. Carla. Só tem uma.

RENATO
A minha mulher?

CAIO
É. A sua mulher.

RENATO
O que é que tem?

CAIO
Como ela está?

RENATO
Carla?

CAIO
Como ela está?

RENATO
Por que você está perguntando?

CAIO
Como ela está?

RENATO
Já perguntou.

CAIO
E aí? Responde.

RENATO
Qual é, cara, é a minha mulher!? Por que você quer saber?

CAIO
Como você conseguiu?

RENATO
Consegui o quê?

CAIO
Ficar com ela.

RENATO
O que você tem a ver com isso?

CAIO
Ela sabe que estou aqui?

RENATO
Quer parar?! Por que você pergunta dela? O que está acontecendo aqui?! Você teve alguma coisa com ela?

CAIO
"Coisa"?... Você não quer conversar. Que chato isso. Pensei que seria bom pra você desabafar, só estamos nós dois. Vai, conta tudo, fala dos seu desespero e sofrimento, dos projetos. Se abre.

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